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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pequenos prazeres


Foto: Luiz Boscardin


Caminha como quem não sabe muito bem para onde vai. 

Na verdade o corpo parece saber, seu peito está virado para frente, rígido como uma tábua, mas as pernas e principalmente os pés, fazem uma dança estranha. Por vezes parecem dizer que vão para direita e no momento seguinte para a esquerda. 

Se jogasse bola seria um novo Garrincha.

A cabeça vai curvada pra baixo, uma pequena corcunda já se anuncia no final da nuca. Deve baixar a cabeça para tudo sem ao menos se perguntar se deveria ou não fazê-lo há muito mais tempo do que alguém suportaria, mas ele tem suportado.

Usa uma roupa social tirada de um defunto muito maior que ele. Provavelmente é um daqueles que para trabalhar são obrigados a usar roupa social, mesmo que o salário que lhe pagam não sirva nem pra pagar por uma bebida decente no fim do dia. Aquela que serve só para esquecer a merda do dia no trabalho. Lembra-me mais um espantalho do que um homem.

Seus olhos perdidos entre uma visão e outra, entre um devaneio e outro. Uma saia, um semáforo verde, o bar perto de casa, chegar no ponto a tempo de pegar o ônibus das seis e quinze, pernas de fora, uma mulher, um furo na meia, o aumento do salário e...e...e foi então que ele foi atingido.

Algo o acertou direto no nariz, um golpe certeiro que o tirou de seus devaneios de um futuro melhor e o jogou direto no passado, no tempo em que era criança e os pequenos prazeres da vida valiam muito. Em que tudo o que ele tinha e valorizava eram estes pequenos prazeres.

Sim era o cheiro de amendoim sendo torrado com açúcar, assim que o cheiro o atingiu sua cabeça levantou-se e como já era de se esperar seus pés foram mais rápidos que o resto do corpo e o fizeram dar uma meia volta, mudando o trajeto do corpo do espantalho cento e oitenta graus, sim porque no meio do devaneio ele continuou sua caminhada e já havia passado pelo vendedor de amendoim. É claro que seu corpo não estava preparado para tamanha mudança de direção e essa mudança brusca proporcionada pelas suas ágeis pernas de jogador de futebol, quase o fizeram quebrar seu tronco de tábua e sua cintura dura como um pau.

O vendedor estava parado na esquina bem em frente ao semáforo fechado. O espantalho se inclina e vê o interior da panela borbulhando e soltando aquela fumaça deliciosa, que lhe inebria e faz sua boca salivar, ele lambe os lábios, quase pode sentir o gosto do amendoim, da casquinha de açúcar. Sua mão aproveitando a distração começa a descer até o bolso da calça e lá de dentro a carteira preta e surrada começa a aparecer. 

Seus olhos estão grudados na panela, mas de repente algo acontece. O semáforo fica verde e novamente suas pernas de anjo torto tomam a iniciativa e recomeçam a andar. Seu corpo se verga todo para acompanha-las, a cabeça e o nariz por último.


Como máquina ele retoma seu caminho. Como um espantalho retoma suas obrigações. Preso numa rotina da qual não pode escapar ele volta ao seu caminho, afinal já são quase seis horas e o próximo ônibus só às seis e meia.




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quinta-feira, 28 de março de 2013

Formigas e Homens






Sento-me para escrever na mesa da cozinha
e tudo o que vejo são formigas
Indo de um lado              para                        o outro
caminham pela mesa e pelo
                                              chão

Procurando a próxima migalha
A próxima refeição

TUDO É CLARO, TUDO É CERTO... É ÓBVIO

A sobrevivência da colônia delas depende
Mato algumas sem dor aparente
Esmago-as com a ponta dos dedos
É fácil, matar é fácil
É banal

Mas não importa quantas vezes eu repita o gesto
não importa quantas eu mate
ocupando os mesmos lugares
outras virão

Procurando a próxima migalha,
A próxima refeição

Levam a falecida carregada
Será a refeição da casa
Outras vem e refazem o trajeto

TUDO É CLARO, TUDO É CERTO... É ÓBVIO

Enquanto isso eu não sou   
Apenas estou

Pode até ser
E talvez até seja
                          mas
             Já não sou mais
                         
Estou assim
E já estive outro
               mas
Serei diferente

tudo é complexo, tudo é multifacetado... é dúvida.

E ainda será
e eu serei
e se for então já é,
mas e se não for?

Se não for...
...                                                                   
...             
...aí não será

Por outro lado, estou
e se estou, PODE SER!

Sim, pode até ser,
mas só se estiver,
porque aí sim eu serei...
                                      ...ou estarei

Enquanto isso eu caminho
de um lado               para                                o outro

Buscando a próxima migalha,
A próxima refeição.

Tentando entender um pouco daquilo que sou
daquilo que poderei ser
e de quem fui

Tudo é complexo, tudo é multifacetado... É DÚVIDA.






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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Homo Urbanus





O homem de alma vazia
Vagueia por entre o vazio do nada
E a complexidade do todo

Anda sem destino por uma vida sem sentido
O mundo é o que ele vê

Não há significado além do próprio acontecido
Não tem profissão, tem emprego
Não tem sonhos, tem contas
Não viaja, assiste à TV

Sua alegria é a vitória de outros
Sua tristeza nunca o deixa

Vive o mesmo dia todo dia
Fazendo sempre tudo igual

Não gosta do presente e dele se queixa
Mas teme a mudança e dela se esconde

É desgostoso, é amargo, é indeciso,
É fraco, é confuso e é incompreendido

Sobrevive pelo medo que tem da morte
E se vangloria de ser ciente desta

Nasce humano, torna-se máquina e morre entulho

Espécie que está em toda parte nas grandes cidades
Homens que estão á nossa frente e ao nosso lado
Somos nós no dia a dia
Após dia
No mesmo dia





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