Disseram-me que a loucura era contagiosa. Alertaram-me para não
contraí-la. Aconselharam-me a não cultivar certas amizades. Ensinaram-me que
certas ideias eram perigosas e que tudo o que poderiam me oferecer era
sofrimento e solidão.
Portanto se estou aqui hoje, do jeito que estou, a culpa é minha e de
mais ninguém. Fui eu quem não quis dar ouvidos.
Fiz amizades com pessoas que eram diferentes das demais. Conheci
ideias estranhas e me interessei por elas. Foi assim que pouco a pouco, as coisas
foram se tornando diferentes. Sem me dar conta, sem saber bem como ou quando, fui
infectado.
Por isso que estou aqui preso. Preso e impedido de me mover
livremente. Preso e amarrado a essa camisa de força. Isolado do mundo,
acompanhado apenas de uns poucos que como eu, são chamados de loucos.
Quando me dei conta já a estava usando. Quando percebi meus braços já
estavam atados. Minha cabeça dava voltas, meus pensamentos não se fixavam e
pareciam pulsar dentro de mim com tal força que o mundo pulsava junto. Meus
olhos se moviam em todas as direções. Focados em pequenas partes, buscavam
detalhes num todo que era incompreensível. Tentavam compreender o que era
aquilo que me atava. Em vão tentava mover meus braços, eles doíam. Meus ombros
doíam. Minhas mãos doíam. Meus dedos doíam. Queria sair, não conseguia mais
ficar daquele jeito, não dava mais, não era mais possível, tudo doía, o ar me
faltava, a respiração era curta e parecia me afogar. O desespero tomou conta de
mim, gritei e chorei. Aos berros eu xingava e amaldiçoava o mundo, aos prantos
eu pedia ajuda. Perguntava a todos por que aquilo estava acontecendo, porque eu
estava preso, mas não havia resposta. As pessoas pareciam incomodadas e não
sabiam o que me responder.
Ninguém me ajudava, ninguém sequer tentou me desamarrar. Alguns me
olhavam com pena, outros desviavam o olhar. Havia ainda aqueles em quem eu
podia reconhecer a minha dor. Estes eram os que mais se afastavam e se
esforçavam para não me ver ou ouvir.
Foi olhando para estes que se afastavam de mim que pela primeira vez
percebi. Eles também usavam camisas de força. Eles estavam tão presos quanto
eu, tão atados quanto eu. Minha cabeça dava voltas e com olhos ainda molhados
pude ver que todos à minha volta usavam camisas de força.
Todos.
Aqueles que me olhavam, aqueles que me ignoravam, os que tentaram me
calar e os que me olharam com pena. Todos eles, todos nós presos a nossas
camisas de força.
Eu não fui preso à minha camisa de força porque estava louco, estou
louco porque percebi que estou preso a uma camisa de força. Estou louco porque
percebi que todos nós estamos presos a camisas de força.
Não estou isolado porque os outros me isolaram. Estou sozinho porque
não faz mais sentido estar com aqueles que vestem suas camisas sem o saber, ou
querer saber.
Sim, a loucura é contagiosa. Sim, certas amizades são perigosas e
conhecer certas ideias podem te fazer muito mal.
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