sexta-feira, 28 de setembro de 2012

No Confessionário




 Querer eu nunca quis não. Nunca, nunca, nunca. Juro que nunca que eu quis que isso acontecesse, mas aconteceu. Aconteceu, mas eu não quis não.
E nunca que eu quis, se bem que de vez em quando, quando eu tava bravo, mas muito bravo mesmo, aí eu queria.  Mas não era esse querer de quem quer de verdade, era um querer daqueles sem querer, não sabe? Era um querer sem força eu acho. Sem ser de verdade, sabe aquele querer que a gente tem só que de tão ruim a gente não quer mesmo. A gente só quer pra poder se aliviar. Era desse querer que eu queria.
Sabe aquele querer de quando a gente quer que a gente mesmo morra porque não agüenta mais viver? Por que não agüenta mais trabalhar, porque não agüenta mais ônibus lotado, porque não agüenta mais barulho de vizinho, porque não agüenta mais ficar tão sozinho.  Então era esse querer. É querer, mas não é bem querer, porque a gente não quer de verdade. A gente só quer pra poder esquecer de tudo um pouco.
Foi só assim que eu quis, mas querer assim não é querer mesmo, não é?
O caso todo foi que ontem eu quis de novo. Mas foi aquele querer sem querer, desse que falei sabe? Pelo menos eu achei que era.
Foi de noite quando eu voltei pra casa, tava tarde e ela começou a falar umas coisas que eu nem entendi direito. Eu tava meio bêbado. Então, eu gritei um monte de coisa e ela gritou um monte de coisa de volta.
Foi quando eu vi um monte de mão em cima de mim. Até aí eu acho que era ela quem queria. Queria pelo menos me machucar senão não tinha batido tanto, não é? É isso mesmo, até ali era ela quem queria. Mas eu não, eu não queria, só queria era alívio, só queria que ela não tivesse ali e muito menos me batendo. Mas ela tava e tava batendo com toda força.
Se machucou? Machucou não, já viu homem se machucar com tapa de mulher? Eu nunca vi não.
Mas também não era por isso que eu podia deixar ela me bater à vontade, não é? Podia não, então dei uma. Só pra ver se ela se acalmava, mas jacaré acalmou? Pois ela também não. Ela se levantou e veio pra cima de novo. Aí eu também quis, era só o que eu queria, mas era aquele querer sem querer sabe? Pelo menos eu achei que era.
Foi depois que eu bati um pouco nela que eu agarrei o pescoço. Aí eu queria, queria mais que ela, queria mais que qualquer outra coisa.
Aí eu apertei o pescoço dela e fiquei olhando ela me olhando, com aqueles olhos arregalados, bem abertos mesmo. Desesperados. E as mãos dela tentando me alcançar, me arranhando e tentando tirar minha mão do pescoço. E ela puxava e se mexia e se batia e me batia cada vez mais forte, cada vez mais rápido.
Até que ela começou a fraquejar e devagarinho foi deitando. E deitando. Os braços foram baixando, a mão afrouxando do meu braço e o olho dela foi ficando vazio e depois mais vazio, até que deu pra ver que não tinha mais ninguém lá, mas eles não fecharam não. Ficaram lá abertos e vazios como se fosse uma estátua olhando pro nada. 
Foi só aí que eu percebi que mesmo querendo sem querer eu fiz. Mesmo sem querer porque nunca que eu quis não senhor. Nunca, nunca mesmo que eu quis isso. Nunca quis isso de verdade, mas mesmo assim aconteceu, mas nunca que eu quis. Foi tudo sem querer.
Então me responda o senhor agora. Quando é sem querer assim, Deus perdoa?




Você poderá gostar também:





Herói suburbano






Sobre Flores



Nenhum comentário:

Postar um comentário