sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Desilusão



Quando pensei em escrever sobre a desilusão, pensei primeiramente na desilusão como um encontro com a realidade. Um processo que apesar de doloroso pode ser muito benéfico.

Pesquisando na internet fica claro como a desilusão é compreendida em nossa cultura como algo extremamente doloroso, principalmente quando se fala em desilusões amorosas. E algo até que deve ser evitado, como diz o poeta Alexander Pope, “Feliz do homem que não espera nada, pois nunca terá desilusões”. Mas será que é possível não nos iludirmos?

Dentro da psicologia talvez quem mais tenha usado o termo e estudado o assunto foi o pediatra e psicanalista D. W. Winnicott(1896-1971). Winnicott dizia que todos nós quando nascemos, temos a ilusão da onipotência, ou seja, a ilusão de que somos capazes de fazer tudo. Para o bebê humano o outro não existe de imediato. Não existem mães, pais, avós, irmãos, tios e tias, bolas, mamadeiras, etc. Tudo é apenas uma extensão dele próprio e tudo o que acontece, acontece por que é a sua vontade. Então quando ele sente fome, logo vem o alimento para o saciar, se sua fralda está suja lhe causando incômodo, logo ela está limpa novamente, se ele está com frio, logo aparece algo que o esquenta e assim por diante.

Pois bem e quando isso não acontece? E quando uma destas necessidades, por um motivo qualquer, não é saciada prontamente? É aí que começa o processo de desilusão. A falta de uma determinada necessidade, por exemplo, o alimento, faz com que um sentimento comece a crescer dentro do bebê, sentimento esse determinado angústia. O bebê aos poucos vai entrando em contato com a realidade e aos poucos, percebendo o outro e as suas próprias limitações. Ou seja, é só a partir da desilusão que o bebê vai entrando em contato com a realidade e podendo se apropriar disso.

E pensando que somos seres em constante crescimento, como isso se aplica na nossa vida adulta? É claro que depois de alguns anos de estrada, ficamos mais “espertos” e não nos iludimos tanto, mas invariavelmente quando nos confrontamos com uma situação nova em nossas vidas é que parece que esse processo de ilusão/desilusão, volta à tona.

Seja num relacionamento novo. Seja em um novo emprego, ou mesmo uma promoção. Seja em um negócio novo. Com um grau maior ou menor estamos iludidos. E aqui quero dizer que isso não é necessariamente ruim, se não o fizéssemos, talvez não teríamos a coragem de enfrentar o novo.

O problema é quando ficamos presos a esta ilusão e não olhamos para a realidade à nossa volta, tentando evitar a angústia gerada pela desilusão. Isso faz com que fiquemos preso a algo que não é real e nos tira a possibilidade de melhorar algo que não está bom, ou mesmo de recomeçar. Porque é só a partir desse contato com a realidade é que podemos cada vez mais nos apropriar e atuar de forma mais eficaz no mundo à nossa volta.

O ideal é que façamos este exercício de nos iludir/ desiludir constantemente, de forma a podermos estarmos sempre nos adequando a realidade e sentindo menos angústia. Alguns de nós conseguem fazer isso com facilidade, seja pela criação que receberam, sejam fatores que os predispõem, outros tem mais dificuldades, ou ainda, tem facilidade em fazer isso quando se trata de vida profissional e são um desastre na vida amorosa e vice-versa.

Cada um de nós tem as próprias fraquezas e virtudes cabe também a cada um de nós reconhecer quais são estas e como fazer o melhor uso delas, com base na realidade. Exercício que pode ser muito doloroso, mas que faz parte de um processo de amadurecimento.

E pensando na frase de Pope, não acredito que haja alguém capaz de não se iludir, mesmo que por um breve momento, o suficiente para dar um passo além do que ele mesmo já tinha feito.




Você poderá gostar também: 














4 comentários:

  1. Adorei o texto. Só é dificil pensar, em alguns momentos, nesta nossa condição de "ser humano". Como necessitamos acreditar, sonhar e nos iludir para seguirmos nossas vidas, e como, pra sobreviver, nos adaptar e podermos realmente ser felizes (ainda que momentaneamente), precisamos nos desiludir. E como é exatamente este o processo de "des - envolvimento", ou seja, desligar-se de algo para ligar-se a coisas novas, ideias novas, novos sonhos...
    Dificil compreender que a desilusão faz parte da nossa condição, do nosso processo... Bom saber que sempre podemos contar com auxilio: seja dos que são proximos a nós (família, amigos) ou profissional (psicologos,por exemplo)

    Bbeijos orgulhosos.

    Marcia

    ResponderExcluir
  2. Figon vacilon, não me avisastes que blogavas!

    Texto fantástico, o tipo de reflexão sobre a condição humana que venho sempre procurando em blogs por aí (sem sucesso aliás). Parabéns!

    Estou te seguindo na espreita por outros posts...

    Sinto que as vezes a desilusão cria em mim uma carência que preciso resolver cantando, parece até biológico, eu canto e passa, rsrsrs.

    Imagino na história da arte e da civilização quão importante tem sido a desilusão no processo criativo dos indivíduos, na sua relação com a realidade e no processo de transformação desta. Será que hoje nos iludimos/desiludimos menos do que há 50 anos? A imagem que temos do passado é sempre de um tempo mais ingênuo, se isso for verdade, será que atualmente estamos mais céticos e receosos em relação aou outro e a vida e criamos menos expectativas? Se sim que consequências isso teria na evolução da nossa sociedade? Reflexão interessante...

    Grande Abraço

    Zuza

    ResponderExcluir
  3. Eu sempre tive uma maneira de ser meio "autista", tenho meu mundinho fechado, enquanto confronto este com a "realidade", todos os dias, em todos os momentos.
    O processo de desilusão é isso mesmo, onde a gente põe à prova todas as nossas expectativas e sonhos contra a verdade nua e crua e vice e versa.
    É o exato momento onde a última que morre vai pro saco derradeiramente... a esperança.
    A angústia não é passageira. Faz parte da condição humana. E somente da angústia algo novo pode florescer.
    Porém o doce nunca é tão doce sem o amargo.
    Gostaria de complementar que em certo grau, não acredito que a realidade seja mais que uma convenção de verdades magnificada por tudo que está à nossa volta e moldada para o bem ou para o mal por nossa própria capacidade de comunicação. De fato, não existem dois seres humanos que concordem e vejam o mundo exatamente da mesma maneira (vide a vida em casal por exemplo).
    Cabe a cada um de nós definir um mundo ideal para si e abrir caminho nessa selva de "verdades", seja com carinho ou com porrada.
    É claro que é mais legal quando o foco desse mundo ideal é definido respeitando uma certa "fronteira pessoal" entre indivíduos, onde todos tem o direito de (ao menos) tentar moldar a realidade à sua própria maneira, em um esforço de colocar esta em harmonia com o todo.
    Como o próprio Tiago escreveu, cada um tem suas fraquezas e virtudes, e é saudável que cada indivíduo encontre seu intervalo na harmonia, musicalmente falando. Afinal, o que seria do jazz sem dissonâncias, ou do blues sem a "blue note"?
    Muitos criticam a visão individualista da existência, mas se a "realidade" é composta por verdades individuais em acordo (seja de forma genuína ou imposta), o que seria do mundo sem verdades individuais?
    Talvez a resposta esteja mais próxima que imaginamos. Vide cultura de massa, jornais e noticiários pra lá de enviesados (damn... é assim que se escreve? - termo para "biased"...) e no Brasil brasileiro de Copas, Olimpíadas, cerveja e bunda, para não falar na ditadura mascarada de PTs, Senado e afins.
    Um mundo sem individualidade - não confundir com ganância, egoísmo, egocentrismo, etc; é um mundo mais pobre.
    E pobres nós somos. Angustiados também. Mas o doce nunca é tão doce sem o amargo.

    Pra finalizar, um teco de "Eloisa to Abelard" de Alexander Pope:

    "How happy is the blameless vestal's lot!
    The world forgetting, by the world forgot.
    Eternal sunshine of the spotless mind!
    Each prayer accepted, and each wish resigned"

    Tradução, meio porca (e qual tradução não é porca? Cada língua tem sua expressividade INDIVIDUAL)

    "Quão feliz é o destino do inocente sem culpa!
    O mundo em esquecimento, pelo mundo esquecido Brilho eterno de uma mente sem lembranças
    Cada orador aceito e cada desejo renunciado"

    D.

    ResponderExcluir
  4. Adorei o seu texto, você fala com muita propriedade e liberdade, a partir de agora te seguirei e parabéns pelo blog!
    Erika Azevêdo

    ResponderExcluir