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Foto: Luiz Boscardin |
Caminha como quem não sabe muito
bem para onde vai.
Na verdade o corpo parece saber, seu peito está virado para
frente, rígido como uma tábua, mas as pernas e principalmente os pés, fazem uma
dança estranha. Por vezes parecem dizer que vão para direita e no momento
seguinte para a esquerda.
Se jogasse bola seria um novo Garrincha.
A cabeça vai curvada pra baixo,
uma pequena corcunda já se anuncia no final da nuca. Deve baixar a cabeça para
tudo sem ao menos se perguntar se deveria ou não fazê-lo há muito mais tempo do
que alguém suportaria, mas ele tem suportado.
Usa uma roupa social tirada de um
defunto muito maior que ele. Provavelmente é um daqueles que para trabalhar são
obrigados a usar roupa social, mesmo que o salário que lhe pagam não sirva nem
pra pagar por uma bebida decente no fim do dia. Aquela que serve só para
esquecer a merda do dia no trabalho. Lembra-me mais um espantalho do que um
homem.
Seus olhos perdidos entre uma
visão e outra, entre um devaneio e outro. Uma saia, um semáforo verde, o bar
perto de casa, chegar no ponto a tempo de pegar o ônibus das seis e quinze,
pernas de fora, uma mulher, um furo na meia, o aumento do salário e...e...e foi
então que ele foi atingido.
Algo o acertou direto no nariz,
um golpe certeiro que o tirou de seus devaneios de um futuro melhor e o jogou
direto no passado, no tempo em que era criança e os pequenos prazeres da vida
valiam muito. Em que tudo o que ele tinha e valorizava eram estes pequenos
prazeres.
Sim era o cheiro de amendoim
sendo torrado com açúcar, assim que o cheiro o atingiu sua cabeça levantou-se e
como já era de se esperar seus pés foram mais rápidos que o resto do corpo e o fizeram
dar uma meia volta, mudando o trajeto do corpo do espantalho cento e oitenta
graus, sim porque no meio do devaneio ele continuou sua caminhada e já havia
passado pelo vendedor de amendoim. É claro que seu corpo não estava preparado
para tamanha mudança de direção e essa mudança brusca proporcionada pelas suas
ágeis pernas de jogador de futebol, quase o fizeram quebrar seu tronco de tábua
e sua cintura dura como um pau.
O vendedor estava parado na
esquina bem em frente ao semáforo fechado. O espantalho se inclina e vê o
interior da panela borbulhando e soltando aquela fumaça deliciosa, que lhe
inebria e faz sua boca salivar, ele lambe os lábios, quase pode sentir o gosto
do amendoim, da casquinha de açúcar. Sua mão aproveitando a distração começa a
descer até o bolso da calça e lá de dentro a carteira preta e surrada começa a
aparecer.
Seus olhos estão grudados na panela, mas de repente algo acontece. O
semáforo fica verde e novamente suas pernas de anjo torto tomam a iniciativa e
recomeçam a andar. Seu corpo se verga todo para acompanha-las, a cabeça e o
nariz por último.
Como máquina ele retoma seu
caminho. Como um espantalho retoma suas obrigações. Preso numa rotina da qual
não pode escapar ele volta ao seu caminho, afinal já são quase seis horas e o
próximo ônibus só às seis e meia.
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