quinta-feira, 5 de março de 2015

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Tempo






O cabelo ficando branco em bando
                                            
No reflexo posso ver

O meu corpo me abandonando








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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pequenos prazeres


Foto: Luiz Boscardin


Caminha como quem não sabe muito bem para onde vai. 

Na verdade o corpo parece saber, seu peito está virado para frente, rígido como uma tábua, mas as pernas e principalmente os pés, fazem uma dança estranha. Por vezes parecem dizer que vão para direita e no momento seguinte para a esquerda. 

Se jogasse bola seria um novo Garrincha.

A cabeça vai curvada pra baixo, uma pequena corcunda já se anuncia no final da nuca. Deve baixar a cabeça para tudo sem ao menos se perguntar se deveria ou não fazê-lo há muito mais tempo do que alguém suportaria, mas ele tem suportado.

Usa uma roupa social tirada de um defunto muito maior que ele. Provavelmente é um daqueles que para trabalhar são obrigados a usar roupa social, mesmo que o salário que lhe pagam não sirva nem pra pagar por uma bebida decente no fim do dia. Aquela que serve só para esquecer a merda do dia no trabalho. Lembra-me mais um espantalho do que um homem.

Seus olhos perdidos entre uma visão e outra, entre um devaneio e outro. Uma saia, um semáforo verde, o bar perto de casa, chegar no ponto a tempo de pegar o ônibus das seis e quinze, pernas de fora, uma mulher, um furo na meia, o aumento do salário e...e...e foi então que ele foi atingido.

Algo o acertou direto no nariz, um golpe certeiro que o tirou de seus devaneios de um futuro melhor e o jogou direto no passado, no tempo em que era criança e os pequenos prazeres da vida valiam muito. Em que tudo o que ele tinha e valorizava eram estes pequenos prazeres.

Sim era o cheiro de amendoim sendo torrado com açúcar, assim que o cheiro o atingiu sua cabeça levantou-se e como já era de se esperar seus pés foram mais rápidos que o resto do corpo e o fizeram dar uma meia volta, mudando o trajeto do corpo do espantalho cento e oitenta graus, sim porque no meio do devaneio ele continuou sua caminhada e já havia passado pelo vendedor de amendoim. É claro que seu corpo não estava preparado para tamanha mudança de direção e essa mudança brusca proporcionada pelas suas ágeis pernas de jogador de futebol, quase o fizeram quebrar seu tronco de tábua e sua cintura dura como um pau.

O vendedor estava parado na esquina bem em frente ao semáforo fechado. O espantalho se inclina e vê o interior da panela borbulhando e soltando aquela fumaça deliciosa, que lhe inebria e faz sua boca salivar, ele lambe os lábios, quase pode sentir o gosto do amendoim, da casquinha de açúcar. Sua mão aproveitando a distração começa a descer até o bolso da calça e lá de dentro a carteira preta e surrada começa a aparecer. 

Seus olhos estão grudados na panela, mas de repente algo acontece. O semáforo fica verde e novamente suas pernas de anjo torto tomam a iniciativa e recomeçam a andar. Seu corpo se verga todo para acompanha-las, a cabeça e o nariz por último.


Como máquina ele retoma seu caminho. Como um espantalho retoma suas obrigações. Preso numa rotina da qual não pode escapar ele volta ao seu caminho, afinal já são quase seis horas e o próximo ônibus só às seis e meia.




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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Obrigado e adeus Mandela





Nelson Mandela nos deixou.  

E deixou também sua história de vida com a qual podemos aprender muito.

Mandela foi um grande estadista, um homem que desafiou aqueles que detinham o poder e que muitas vezes deixou sua vida particular em segundo plano para lutar pelos ideais de igualdade entre os povos, independentemente de sua raça e origem.

Como psicólogo o que me chama a atenção na história de vida deste homem é a sua capacidade de resignificar sua própria história.

Este foi um homem que passou 27 anos de sua vida encarcerado, viveu dentro de um regime segregacionista (o aparthaid) e que antes de ser preso passou por uma temporada no exterior aprendendo técnicas de luta armada para resistir a este regime.

Este mesmo homem, uma vez liberto tornou-se presidente de seu país, acabou com o aparthaid e teria motivos de sobra para querer vingar-se de seus carrascos.

Mandela recusou-se a usar seu passado como desculpa para incitar a vingança e criar, quem sabe, um aparthaid às avessas, retirando da minoria branca a seus direitos, exatamente como esta havia feito com os negros durante as últimas quatro décadas.

Mandela olhou para o futuro e a nação que ele gostaria de construir. Uma nação onde essas desigualdades não existissem, mais uma vez se colocando contra muitos, mas fiel a seus princípios.

E quantas vezes não utilizamos fatos que ocorreram em nosso passado para justificar o mal que fazemos ao outro? E quantas vezes não utilizamos o nosso passado para nos colocarmos na posição de vítimas?

De que maneira estamos utilizando a nossa própria história?

Obrigado e adeus Mandela.
                                                                                              






Abaixo um trecho do filme Invictus em que Mandela arrisca seu poder político com os próprios companheiros ao defender que as cores do time de rúgbi do país sejam mantidas. O rúgbi e as cores do time são algo valorizados pela minoria branca.
Ele está em inglês, mas este é um excelente filme para quem tiver interesse em conhecer um pouco mais sobre esse homem excepcional e sobre este momento histórico.









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