quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


Foto: Luiz Boscardin


E pelas ruas ele caminhava. Nada em sua aparência chamava a atenção dos olhos alheios. Em seus traços nada marcante que pudesse identificá-lo ou distingui-lo dos demais. Nenhuma cicatriz, ou barba cheia e comprida, olhos claros, ou mesmo a falta de um dente que pudesse se notar.


Andava e seu andar era o mais solitário de todos, porque quando andamos estamos a sós conosco. Ao longo do caminho ouvimos o que temos a dizer, mesmo que seja uma besteira qualquer como o final de um filme assistido na noite passada, ou um inflamado discurso imaginário feito para a massa oprimida e carente de serviços básicos, incitando a tão aguardada revolução que nos colocará finalmente como iguais, como irmãos. Se não é isso, vamos tentando nos calar e ao longo do caminho travamos uma luta, quase sempre perdida, na tentativa de calar-nos para assim podermos observar o mundo de fora.

Tanto em um caso como em outro, há sempre tempo para olharmos o outro. Uma mulher bonita e bem vestida que vem em nossa direção. Um homem charmoso de ar confiante, caminhando tranqüilo enquanto o mundo gira. Estamos sempre a olharmos uns aos outros, julgando, avaliando, tentando desesperadamente enquadrar o outro sob algum rótulo, para que assim possamos descansar tranquilos, sabendo que o mundo ainda não está perdido em caos, que as coisas seguem uma ordem e que somos capazes de reproduzir esta ordem natural das coisas com nossa mente. Tudo se encaixa e não estando nada fora de classificação, vivemos num mundo capaz de ser controlado, onde nada escapa, nada fica de fora.

Mas e aquele homem? Onde se encaixa? E eu digo, não se encaixa. De tão banal e comum ele sequer é visto sequer é notado, ninguém olha para ele e ele retribui não olhando para ninguém, mantém seus olhos voltados para seus pés e seu par de sapatos velhos e gastos, nada de mais, mas também não tão velhos que se possa neles notar furos ou remendos. Era algo que não se podia classificar. Ele estava a parte, próximo e distante de todos. Vivendo à margem daquilo que se conhece como sociedade.

Haveriam mais como ele? Homens e mulheres, que não estão lá? Pessoas que não se fazem notar e que de cabeça baixa passam por estes caminhos esperando... esperando o que? Serem notados? Serem esquecidos e deixados em paz? Ou não esperam nada. O quê?

No caso deste homem há algo, algo que pulsa, algo que vibra e busca a luz. Como a semente que tentar romper a terra e se tornar broto, mas só encontra pedras. Assim é a alma deste homem, semente germinada que só o que encontrou foram rochas.

Ele não tem raiva, não se sente traído ou frustrado, apenas se recolheu. Está cansado e é assim que caminha. Como nas comunidades humanas primitivas aquele que para nada serve é deixado de lado é excluído, a diferença é que não podemos dá-los de comer ás feras, então simplesmente o ignoramos. E ainda assim ele caminha.

Caminho eu também e meus pés me movem na direção desse homem. Sou ágil e antes que ele possa perceber estou a sua frente, braços abertos e agora fechados num abraço fraterno. Não há reação. Beijo-o. eu sei que ele está aqui, sei que ele vive, eu o vejo e isso o faz existir, eu o vejo e agora ele já não está mais à margem de tudo, eu estou com ele e nós somos. Sei que ele sou eu e que não difere de mim a não ser pela história de sua vida.

Sem uma palavra eu me viro e vou embora. Dele não sei, não me interessa, só espero que ele saiba que não está só.




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3 comentários:

  1. Bastante interessante o texto. Parabéns!

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  2. E assim que amo te ver escrever! Do jeito que vc se solta e vai ate o fundo!!! Quanto mais intimo e pessoal, mais humano, mais coletivo e universal. Quem dera pudessemos sempre receber um abraço assim em alguns dos nossos picos de solidao e coisas mais...

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  3. Oi Thiago!
    Estou aqui divulgando meu novo blog.....
    Caso tenha interesse, tenho um blog que conto um pouco sobre como o transtorno de pânico afeta ou não o meu dia a dia...

    Se puder, dê uma passada por lá!
    Tks!

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